Saturday, February 2, 2008

Comentário a um comentário

Já lá vai o tempo em que sentia cada crítica negativa que me faziam como uma facada certeira num ventrículo. Hoje em dia, por ter o meu trabalho mais exposto, percebi que vai haver sempre gente que não gosta disto ou daquilo, mesmo que eu escreva o texto mais genial do universo. Se até os mestres, como o Seinfeld ou o Ricky Gervais, são alvos de críticas, quem sou eu para estar acima delas?

Contudo, numa altura em que o exercício do «comentário» está ao alcance do click de um rato de computador, é assustadora a facilidade com que algumas pessoas espezinham o trabalho dos outros. Não é por um humorista fazer um sketch com menos piada que pode ser ofendido e apedrejado como se fosse um criminoso no meio de uma praça pública. Os «Incorrigíveis» são, talvez, o melhor exemplo disto. Alguns dos comentários que lá são deixados são tão baixos, tão mesquinhos, tão agressivos que dão que pensar na qualidade das pessoas que andam por aí.

Felizmente, a Criâneo não tem sido alvo de ataques demasiado violentos, talvez porque o nosso trabalho não tem ainda a exposição mediática suficiente para despertar invejas e ódios de estimação. Contudo, à medida que vamos crescendo, é curioso verificar que alguns comentários têm vindo a subir de tom e que o nosso trabalho começa a chegar a outro tipo de pessoas, pessoas como aquela que nos deixou o comentário de que gostava de falar aqui hoje.

O comentário em causa refere-se a um dos vídeos que colocámos no Youtube em jeito de avanço da segunda série do «Edição Extra». Trata-se de um excerto do documentário que vamos apresentar sobre o Santana Lopes em que dobramos uma situação em que ele está a ler cartas e a receber telefonemas dando a entender que essas cartas e esses telefonemas são de fãs do antigo primeiro-ministro. Não vou aqui discutir se o vídeo tem piada ou não. A questão não é essa. O que me preocupa é este comentário:

«estupidez, um politico pode ter vida propria e mulheres, nao tem que ser um nerd como voces que acham que ter mulheres deve ser alvo de gozo»

Isto preocupa-me (e não é por me chamarem de «nerd», porque já me chamaram de coisas bem piores). Não consigo compreender como é que é possível alguém ter ainda esta mentalidade num país supostamente desenvolvido como o nosso. Eu não acho que ter mulheres DEVE ser alvo de gozo; acho é que ter mulheres PODE ser alvo de gozo, como, aliás, qualquer outro assunto pode ser alvo de gozo. Aqui é que reside a diferença. Se o Santana Lopes fosse conhecido por ser um eremita e não ter mulheres, também podíamos escrever um sketch sobre isso e, nesse caso, o que diria o nosso enfurecido espectador? Que era uma estupidez porque um homem pode ser um eremita e não ter mulheres, e que não tem de ser um Martini Boy como nós que achamos que não ter mulheres deve algo de gozo? Escrever um sketch sobre um assunto, faz de mim exactamente o contrário? Se escrever um texto a parodiar o Benfica significa que sou do Sporting? Se fizer uma piada sobre o presidente da república significa que sou monárquico? Se gozar com as fotografias da Floribela na FHM significa que sou homossexual? Se escrever uma piada sobre o Gilberto Madaíl estou a dizer que nunca apanhei uma bebedeira?

Aquele comentário reflecte uma mentalidade retrógada que, de certa maneira, justifica a falta de coragem dos programadores da televisão portuguesa. Se o público pensa desta maneira, como é que os responsáveis pelos vários canais podem apostar no humor?

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