Wednesday, September 24, 2008

Desta vez, o Bush não ganha, de certeza absoluta

Tenho seguido com enorme atenção e curiosidade (talvez até demasiadas) a campanha eleitoral aqui nos Estados Unidos. Vejo as entrevistas, oiço os comentários, assisti às transmissões das convenções Democrata e Republicana e tenho a televisão invariavelmente ligada num canal de notícias ou na Comedy Central, onde programas como o «Daily Show» ou o «Colbert Report» acabam por ser também bons barómetros do que se está a passar por aqui.

Estou, de certa maneira, obcecado por esta campanha, não só pela componente política propriamente dita, mas também, se calhar até mais, pela janela de conhecimento que ela abre sobre a sociedade americana. É fascinante assistir às máquinas de propaganda de um lado e de outro em funcionamento (as jogadas que tenho visto nesta campanha fazem com que a política portuguesa pareça brincadeira de crianças), mas, para mim, é ainda mais interessante perceber como os americanos pensam e quais as suas motivações.

Nunca fui anti-americano. Também nunca fui pró-americano. Para mim, os americanos são como outro povo qualquer: há deles bons e inteligentes, e há deles maus e burros, e, por isso, irrita-me um bocado aqueles que dizem que os americanos são isto e aquilo quando, ponto um, generalizações dessas são completamente absurdas, estejamos nós a falar de americanos, de árabes ou de aborígenes australianos, e, ponto dois, generalizações dessas são ainda mais absurdas quando está em causa um país do tamanho deste tamanho e diversidade.

A realidade é que existem duas américas completamente distintas, e basta olhar para o mapa eleitoral para perceber isso mesmo: as costas Este e Oeste e os grandes centros urbanos, onde mais cidadãos têm formação académica e onde existe um maior intercâmbio cultural e étnico, votam democrata; o centro e o Sul, mais conservadores, mais religiosos e mais ligados à pátria e a família, votam republicano. Não quer isto dizer que os primeiros sejam esclarecidos e os segundos ignorantes; apenas que, por razões históricas, geográficas e culturais, têm valores diferentes e olham para o mundo de formas diametralmente opostas, mas igualmente dignas de respeito. Acho errado considerar que, só porque alguém partilha de valores que não têm nada a ver com os meus, é burro ou ignorante, até porque isso faria de mim alguém com a pretensão de ser o dono da verdade absoluta, traço de carácter que, nesse caso, teria em comum com personalidades como Hitler ou até José Mourinho.

Olhando para o mapa dos Estados Unidos, também se percebe que a middle America é mesmo, e por larga diferença, a maior porção territorial do país e que, sendo assim, é normal que os republicanos acabem quase sempre por ganhar as eleições. É um facto, mas também é verdade que, dadas as particularidades do sistema eleitoral norte-americano, a coisa não é assim tão simples, já que o presidente não é eleito de modo directo. O vencedor das eleições em cada estado arrecada o número de representantes a que esse estado tem direito no electoral college, quer esse candidato tenha ganho com 100% dos votos, quer tenha obtido apenas 50,1%. E aqui é que a questão se complica, porque enquanto que a California tem direito a 51 desses votos e Nova Iorque a 31, estados como Delaware ou North Dakota apenas têm direito a 3. É evidente que o total de electoral votes atribuídos a cada estado está relacionado com o seu tamanho, número de habitantes e outros factores do género, mas, mesmo assim, este sistema faz com que, como aconteceu naquela eleição em que o Bush venceu o Al Gore, seja possível ganhar as eleições, sem ser o mais votado no total do país (por exemplo, um dos candidatos pode ganhar com 100% dos votos em dez estados mais pequenos, mas, se o outro vencer com 50,1% dos votos na California fica com mais electoral votes, porque arrebata todos 51 deste estado).

Isto implica que, no fundo, as eleições se decidam em apenas quatro ou cinco estados, os chamados battleground states, ou seja, aqueles que não votam de certeza absoluta num ou noutro partido (como pode ser visto aqui), reduzindo a sondagens nacionais a meros indicadores de tendência com pouca relevância, já que cada estado é como um pequeno país, com as suas especificidades, necessidades e problemas.

No comments: